
O exemplo mais claro destas transformações é a mudança nas taxas de fecundidade, que afeta diretamente o crescimento e as características mais gerais da população. Entre 1950 e 1980, o Brasil cresceu a uma taxa média anual de 2.8%, o que significa que a população dobrava a cada 25 anos. Em 2000, esta taxa estava estimada em 1.33, o que significa uma duplicação a cada 55 anos. Como esta taxa vem caindo, a expectativa é que, por volta de 2020, a população brasileira já tenha parado de crescer, e começado a se reduzir. No passado, políticas de controle da natalidade eram proclamadas como essenciais para resolver os problemas sociais do país, e ainda hoje ainda existe quem defenda este ponto de vista, já totalmente ultrapassado pelos fatos. A redução da fecundidade da população não foi o resultado de nenhuma política governamental deliberada, mas a conseqüência de uma série de fatores que incluem o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, a mudança da população do campo para as cidades, o aumento da educação, o aumento da informação e da disponibilidade de meios contraceptivos, e a mudança nos valores e na cultura da população.
O impacto desta transformação é enorme. Por um lado, o Brasil começa a deixar de ter os problemas de um “país jovem”, que precisa abrir cada vez mais escolas, criar cada vez mais empregos, e construir mais casas para uma população em constante crescimento; e começa a ter os problemas de um país adulto, que começa a envelhecer. O impacto sobre a educação é o mais visível: até recentemente, ainda se insistia na prioridade em abrir cada vez mais escolas; hoje, como que de repente, a cobertura escolar no primeiro grau já é de quase 100%, e muitos estados começam a confrontar o problema de salas vazias. A redução da pressão sobre o mercado de trabalho vai se fazer sentir com mais força nos próximos anos, quando o tamanho das novas gerações buscando emprego começar se tornar menor a cada ano. Com uma população jovem cada vez menor, e uma população mais velha ainda relativamente reduzida, a taxa de dependência da população (ou seja, o número de crianças e velhos que cada adulto deve sustentar) se reduz cada vez mais, fazendo com que as gerações jovens tenham a oportunidade de investir mais em si mesmas, e poupar para o futuro. É uma janela de oportunidade que irá desaparecendo, na medida em que a população envelheça, aumentando a carga de dependência das novas gerações. O envelhecimento da população coloca na ordem do dia os problemas dos custos crescentes das aposentadorias, as necessidades de atendimento médico, cada vez mais caro, dos idosos, e toda a questão social do amparo à velhice, que até recentemente não fazia parte da preocupação dos brasileiros.
A outra transformação dramática ocorrida no Brasil nos últimos anos foi a transição da população do campo para as cidades. Para muitos, o Brasil ainda é visto como um país predominantemente rural, dominado pela política, economia e cultura do interior. Os entusiastas da reforma agrária ainda pensam que o futuro do Brasil depende de uma revolução no campo, como se pensava cinqüenta anos atrás. No entanto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE de 1992 já mostrava que apenas 22% da população do país vivia em área rural; em 2001, esta percentagem havia caído para 16%. Em termos de ocupação, 20.6% da população ativa do país se dedicava a atividades rurais, muitos vivendo em regiões urbanas e trabalhando como assalariados, e não camponeses de tipo tradicional; enquanto outros, embora vivendo em zonas rurais, se dedicavam a atividades de prestação de serviços, comércio de mercadorias, e outras.
Estas transformações vieram acompanhadas de mudanças também muito significativas na maneira pela qual a vida familiar e social se organiza. Já em 1992, 22% dos domicílios brasileiros eram chefiados por mulheres: em 2001, este número havia aumentado para 27.3%[2]. O número médio de filhos por domicílio em 1992 era 1.9; em 2001, havia caído para 1.1. Em 1992, 28% dos chefes de família não tinham cônjuge; em 2001, este número havia subido para 33%, um quarto do total.[3] A família tradicional, portanto, formada por um homem responsável pelo sustento, por uma mulher dona de casa, e vários filhos, vem perdendo lugar, e sendo substituída por diferentes tipos de arranjos – pessoas que vivem sós, mulheres chefes de família, casais sem filhos, pais sem mulheres. Se a família tradicional era, como sempre se pensou, o lugar de formação e apoio para o desenvolvimento físico, cultural, moral e mental das crianças, esta função se vê cada vez mais ameaçada, criando novos problemas que até recentemente não eram parte da agenda de preocupações.
Ao final do milênio, generalizou-se a idéia de que, por causa da globalização e das políticas de estabilização econômica, as condições de vida da população brasileira haviam se deteriorado. Na verdade, os dados mostram que, apesar do pouco desenvolvimento econômico que houve no período, houve melhorias significativas. O rendimento médio da população brasileira aumentou entre 1992 e 1999, segundo os dados das PNADs, para a população como um todo e para diferentes grupos sociais. A desigualdade, expressa tanto pela relação entre os grupos de renda alta e baixa quanto pelo índice Gini, mostra uma pequena diminuição, mas se manteve alta durante a década.
Apesar da pequena melhoria, o avanço foi claramente insatisfatório, especialmente para a população de menor renda. A desigualdade de renda no Brasil é considerada uma das mais altas do mundo, evocando a imagem de um país dividido entre uma pequena elite de altos rendimentos e uma grande população vivendo miseravelmente. Esta interpretação não é correta, porque os dados se referem a diferenças de rendimento monetário, e não riqueza enquanto tal. Eles excluem, assim, tanto as transferências e os rendimentos não monetários, que podem ser significativos para as famílias mais pobres, sobretudo na área rural, quanto os recursos provenientes da riqueza acumulada, que podem ser importantes para os mais ricos. Estudos econométricos mostram que, dos diversos fatores que afetam a renda - região, idade, sexo, raça, tipo de ocupação, educação, etc - o mais importante, de longe, é a educação[4]. Em 2001, o rendimento mensal médio de quem tinha educação superior era cerca de 2.200 reais - um bom salário de classe média, mas longe de indicar riqueza - enquanto que o rendimento médio de quem não tinha educação era dez vezes menor. A implicação deste fato é que o caminho mais importante para uma melhor distribuição da renda é o aumento e a melhor distribuição das oportunidades educacionais, e não a redistribuição da riqueza. FONTE: http://www.schwartzman.org.br/simon/causasp_files/causasp8.htm
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