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terça-feira, 24 de abril de 2012

Horizonte ético da Mobilização Social

O horizonte ético é aquilo que dá sentido a um processo de mobilização. Uma das formas como um país explicita seu horizonte ético, seu projeto de nação, é através de sua Constituição. Nela ele define seu projeto de futuro, suas escolhas. Quanto mais tiver sido participativo o processo de sua elaboração, mais estas escolhas refletirão a vontade de todos e serão por todos compartilhadas.

Compreensão do conceito de cidadania e dos princípios da Democracia

Os gregos se tornaram capazes de criar a democracia a partir do momento que descobriram que a ordem social não era ditada pelos deuses, mas construída pelos homens, quando vislumbraram a possibilidade de construir uma sociedade cujo destino não estivesse fora dela, mas nas mãos de todos os que dela participavam.

A democracia é uma ordem social que se caracteriza pelo fato de suas leis e suas normas serem construídas pelos mesmos que as vão cumprir e proteger. A democracia é uma ordem auto-fundada. Por isso, a democracia é uma cosmovisão, o que quer dizer que ela é uma forma de ver o mundo. Uma forma que aceita cada pessoa como fonte de criação de ordem social. A democracia não pode ser imposta, tem que ser quotidianamente construída. Ela é fruto da decisão de uma sociedade, que acredita que é possível criá-la, a partir de uma unidade de propósito e do respeito pelas diferenças. “Cidadão é a pessoa capaz de criar ou transformar, com outros, a ordem social e a quem cabe cumprir e proteger as leis que ele mesmo ajudou a criar.

Como se define a dignidade humana?
A dignidade humana tem uma definição básica, condensada entre os diversos países, expressa na Declaração Universal dos Direitos Humanos (10 de novembro de 1948). Ainda que não haja modelo ideal de democracia, toda ordem democrática está orientada a proteger e fortalecer os Direitos Humanos (fundamentais, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais) e a proteger e desenvolver a vida.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é o projeto de humanidade que nosso século concebeu e conseguiu condensar, uma de suas contribuições mais originais. Nos séculos passados, alguns países, como os Estados Unidos na sua Constituição (1787) e a França na Declaração dos Direitos do Cidadão (1789), haviam definido os direitos humanos, mas eram experiências, isoladas, de cada país. Nunca na História, um número tão grande de países foi capaz de atingir um consenso quanto à relevância e quanto ao conteúdo deste tema, como expresso nesta Declaração. Reúne direitos que possuímos simplesmente por sermos da espécie humana, anteriores a toda distinção, a toda ação cultural, econômica ou política, a toda característica étnica, etc.

Quando incorporamos aos direitos garantidos na nossa Constituição a íntegra da Declaração Universal dos Direitos Humanos (Título II – Dos Direitos Fundamentais, artigo 5º ) e declaramos a dignidade humana como um dos fundamentos de nossa nação e de nosso modelo de democracia nos comprometemos com a formulação de um projeto de desenvolvimento que não seja exclusivamente econômico, baseado nos Direitos Humanos e que contribua para transformá-los de projeto ético em um projeto público, de todos, em uma visão de mundo, um discurso, uma decisão e uma ação.

Democracia é uma decisão ética
A Democracia é como o Amor: não se pode comprar, não se pode decretar, não se pode propor. A Democracia só se pode viver e construir. Por isso ninguém pode nos dar a Democracia. A Democracia é uma decisão, que toma toda uma sociedade, de construir e viver uma ordem social onde os Direitos Humanos e a vida digna sejam possíveis para todos.A Democracia não é um partido político, não é uma ciência nem uma religião; a Democracia é uma forma de ver o mundo, é uma cosmovisão, que parte do suposto de que fazer possíveis e cotidianos os Direitos Humanos e uma vida digna para todos é o que justifica todas as atividades de uma sociedade (políticas, econômicas, culturais, financeiras, educativas, familiares, etc.).Em outras palavras, a Democracia é uma Ética.A Ética é a capacidade de criar e escolher uma forma de viver, que consiste em fazer possível a vida digna para todos. Por isso a Democracia é uma forma de construir a liberdade e a autonomia de uma sociedade, aceitando como seu fundamento a diversidade e a diferença.

A participação em um processo de mobilização social, é ao mesmo tempo meta e meio. Por isso, não podemos falar da participação apenas como pressuposto, como condição intrínseca e essencial de um processo de mobilização. Ela de fato o é. Mas ela cresce em abrangência e profundidade ao longo do processo, o que faz destas duas qualidades (abrangência e profundidade) um resultado desejado.Considerá-la como meta e meio significa: Considerar a participação como um valor democrático: Toda ordem social é construída pelos homens e mulheres que formam a sociedade.

A ordem social não é natural e cada sociedade é que constrói sua ordem social. Porque ela não é natural é possível falar em mudanças. Quando a sociedade começa a entender que é ela que constrói a ordem social, vai adquirindo a capacidade de auto-fundar a ordem social, de construir a ordem desejada, vai superando o fatalismo e percebendo a participação, a diferença e a deliberação de conflitos como recursos fundamentais para a construção da sociedade. A participação deixa de ser uma estratégia para converter-se em ação rotineira, essencial. Neste sentido, a participação é o modo de vida da democracia.
     
O conceito de Público
A América Latina e a América do Norte foram ambas conquistas religiosas, mas de conteúdos diferentes. Lá, chegaram fiéis, aqui chegou a Igreja, seus padres, e bispos. Lá chegaram cidadãos em busca de uma terra para viver, aqui chegou um governo em busca de riquezas para explorar. Lá chegou a sociedade civil, aqui chegara instituições; e a sociedade civil, fonte geradora do ‘público”, ainda está construindo. Por isso existe entre nós tanta confusão entre o que é do governo e o que é público. Por exemplo: a escola pública é a escola de todos e não a escola do governo, os espaços públicos são espaços de todos e não espaços do governo e assim por diante. O resultado da confusão que fazemos é ficarmos, muitas vezes, esperando que o governo cuido do que nós, coletivamento, deveríamos cuidar. Encaramos coisas e atitudes como dádivas e favores do governo, não como coisas públicas, conquistas e direitos à sociedade.

A construção do público a partir da sociedade civil exige o rompimento com essa tradição e o compromisso com uma nova atitude de responsabilidade, de desenvolvimento da capacidade de pensar e agir coletivamente e de respeito às diferenças. Para criar e formar cidadãos, quer dizer, pessoas capazes de criar e fundar com outros a ordem social desejável para todos. E empenharmo-nos para criar espaços para que a cidadania se exerça. O paternalismo político só é superável através de uma sociedade que tenha a possibilidade de construir suas instituições políticas a partir da sociedade civil. Isso significa passar de uma lógica social de adesão ao poder a uma lógica de deliberação e competição de interesses que, através do consenso e de acordos, define o que convém a todos. É assim que se constrói uma ordem democrática estável e o consenso legítimo.

Lidando com as dificuldades
Como romper com o fatalismo e a desesperança?
As maiores barreiras para que uma pessoa ou grupo se disponham a agir são o fatalismo e a desesperança. O fatalismo acaba gerando e, de certa forma, justificando um certo cinismo, uma vez que por causa dele aceitamos conviver com situações que condenamos. Por isso o seu antídoto é o apelo ao compromisso, ao comportamento e aos valores éticos das pessoas. Mostrar e conseguir que as pessoas vejam que existem situações com as quais não podemos conviver, em relação as quais não devemos ser tolerantes.

Quanto à desesperança, o remédio é trabalhar o conceito de cidadania. É ele que vai aumentar a segurança, despertar a capacidade empreendedora coletiva e fazer com que as pessoas se sintam poderosas para produzir mudanças. E aí é só começar, os primeiros resultados vão reforçar e ampliar este sentimento.
Como romper com o “costume com a ruindade”. “Talvez o mais trágico na sociedade brasileira atual não seja a existência da desigualdade, da miséria e da violência. O mais trágico é a naturalidade com que todos nós convivemos com esta realidade”, escreveu Margarida Vieira em artigo intitulado “A banalização do mal” (Estado de Minas, 25/09/95). Romper com este sentimento exige assumir o destino e a construção da ordem social. Aceitar que somos nós que a criamos, com nossas ações, nossas omissões e nossas permissões e delegações para que outros agissem por nós e por isso, podemos modificá-la.

Como começar quando o imaginário não está muito claro?
A resposta é começando. Tendo um horizonte, alguns princípios, clareza dos conceitos básicos e dos valores, o imaginário vai se configurando aos poucos. Existem algumas fontes: a Constituição, as músicas, a literatura e, principalmente muita conversa. O importante é tê-lo delineado, não necessariamente de maneira definitiva e precisa.

No caso, por exemplo, do Pacto de Minas pela Educação, um movimento a favor da educação, começou-se tendo como imaginário mudar uma situação indesejável, expressa com mais eloqüência nas altas taxas de evasão e repetência e no grande numero de crianças fora da escola. Ao informar estes dados e refletir sobre as suas conseqüências sobre a sociedade, seu impacto na auto-estima das crianças e no seu elevado custo econômico criava-se o sentimento de indignação e intolerância com a situação e a partir daí se construía, para cada município uma visão de futuro diferente, que começava com zerar o número de crianças fora da escola, depois a repetência até chegar ao debate sobre o futuro desejado e a educação necessária para construí-lo. A receita é atenção aos conceitos de democracia, cidadania e participação e coerência no cotidiano do movimento.
José Bernardo Toro
Extraído de: MOBILIZAÇÃO SOCIAL “Um modo de construir a democracia e a participação” José Bernardo Toro Nísia Maria Duarte Werneck.

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